Peixes

2022-05-21 02:54:23 By : Ms. Lassy Liu

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Expressa juízo de valor sobre a obra cultural comentada e destaca seus elementos positivos e negativos

Christiane F. das letras, americana Leslie Jamison irrompe de seu inferno pessoal ao se aproximar do realismo histérico

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De um lado estão todos os fluidos que fogem do vir a ser da tinta (da caneta de um escritor): o suor dos tremores da abstinência, o vômito da doença, o mijo e a merda nas calças. Metade da vida escondida em apagões. Fígado inchado em toxinas. Infiltração em direção à morte. Heróis bêbados intoxicados. Billie Holiday vendo a seringa de heroína cair de suas mãos enquanto sua prisão nos anos 1940 sufocava sua voz. Amy Winehouse muito louca no vexatório show que tentou fazer em Belgrado, na Sérvia, em 2011. Do outro, em um paralelo lírico, o anil carregado de "Uísque e tinta", artigo com o qual a revista Life adula o poeta John Berryman. O artista ébrio como um ícone, enamorando pub craws como quem corteja sílabas. O copo como um símbolo, as barbas ao vento.

A bebida como um portal metafísico. Os tufos de algodão enfiados nas narinas de Stephen King para que ele conseguisse escrever "O Iluminado" sem que jorrasse sangue sobre a máquina de escrever. O brilho com o qual Charles Jackson divide sua própria relação com o álcool no romance "The Lost Weekend", oscarizado por Billy Wilder.

No meio do caminho desse barato todo, entre o borbulhar da champanhe e o formigamento quente garganta abaixo: enquanto King, já em seus anos de sobriedade confessa no autobiográfico "Sobre a Escrita" que não perdeu seu dom ao deixar de beber e se drogar, Amy, apesar do incisivo refrão de "Rehab" (I won't go, go, go), tentou ao menos quatro vezes a internação para se tratar. Mesmo fim que Jackson e Holliday —que buscaram, com maior ou menor sucesso, tratamento. A morte trágica, por fim, de Berryman, que se suicidou aos 57 anos ao pular de uma ponte no cruzamento do rio Mississippi.

É buscando esse meio-termo, tergiversando entre crítica literária e memorialismo, que está o novo "A Reabilitação", romance de Leslie Jamison que dá uma surra na veneração ao copo ao mesmo tempo que o deixa transbordar, mostrando como as fronteira do assunto ainda são desconhecidas e enuviadas por uma série de tabus. O álcool como prova de doença e não de sabedoria; o reconhecimento e a carreira de gênios obscurecidos pelo vício. Uma espécie de Christiane F. —menos prostituída e mais literária—, a autora, que hoje escreve para o New York Times Book Review e é diretora do programa de graduação em não ficção da Universidade de Columbia, subverte a narrativa tradicional ao combinar memórias, história política e cultural e pitadas tanto pop quanto cults. Por isso, apesar da coragem de se despir para chafurdar na merda do submundo como a escritora e blogueira alemã, Jamison também já arrancou da crítica especializada comparações com Joan Didion e Susan Sontag pelo estilo lancinante e os comentários inusitados.

Ou mais. Numa comparação mais contemporânea e jornalística, em "A Reabilitação", a norte-americana se mostra para a luta contra o álcool e as drogas assim como Andrew Solomon se revela ao reunir enciclopedicamente tudo o que há sobre depressão no clássico "O Demônio do Meio-Dia", finalista do Prêmio Pulitzer de não ficção.

Assim como Solomon, Jamison vai atrás da literatura médica para traçar um panorama da cultura da reabilitação, que movimenta milhões de dólares todos os anos ao mesmo tempo em que segrega ainda mais a divisão entre ricos e pobres, negros e brancos, homens e mulheres —mostrando a linha tênue que há entre quem é criminoso e quem está simplesmente sofrendo de uma doença que não tem cura, entre o garanhão incompreendido e a vagabunda que nem lembra com quem dormiu na noite anterior.

"A peça que falta no quebra-cabeça interior" foi a forma com que certa vez o escritor David Foster Wallace, um dos mais influentes e inovadores das últimas décadas, responsável pelo avanço no realismo histérico ou pós modernismo rechérché, se referiu ao álcool —outro, aliás, a tirar a própria vida aos 48 anos após uma longa batalha contra a depressão.

O que "A Reabilitação" faz, em suma, é retirar essa peça que falta do ambiente psicológico de todos os personagens de que trata (inclusive a autora) para levá-lo justamente a um campo de análise sob a luz do pós-modernismo, oferecendo ao leitor um emaranhado de referências que partem, em grande parte, do impacto do capitalismo sobre os indivíduos. Ou seja, um sistema econômico baseado em infiltrar a ideia de incompletude para vender a ideia de que o consumo é a resposta para a peça que falta no quebra-cabeças.

1 "É Assim que Acaba", de Colleen Hoover (Galera) 2 "Todas as Suas (im)perfeições", de Colleen Hoover (Galera) 3 "Os Sete Maridos de Evelyn Hugo", de Taylor Jenkins Reid (Paralela) 4 "Harry Potter e a Pedra Filosofal", de J.K. Rowling (Rocco) 5 "A Revolução dos Bichos", de George Orwell (Avis Rara)

NÃO FICÇÃO 1 "Vade Mecum 2021 Saraiva" (Saraiva) 2 "Mulheres que Correm com os Lobos", de Clarissa Pinkola Estes (Rocco) 3 " Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso", de Carol Dweck (Objetiva) 4 " Sapiens (nova edição)/Uma Breve História da Humanidade", de Yuval Noah Harari (Cia. das Letras) 5 "365 Orações e Reflexões" (Alto-Astral)

AUTOAJUDA ​ 1 "A Coragem de ser Imperfeito", de Brené Brown (Sextante) 2 "Especialista em Pessoas/Soluções Bíblicas e Inteligentes para Lidar com Todo Tipo de Gente", de Tiago Brunet (Planeta) 3 "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas", de Dale Carnegie (Sextante) 4 "A Arte da Comunicação Não Violenta - Escritos e correspondências entre Gandhi e Tolstói", de Mohandas Karamchand (Faro) 5 "O Poder do Subconsciente", de Joseph Murphy (Best Seller)

Fonte: Livrarias Saraiva (de 18 a 24.abr.2022)

Vivian Masutti, 35, é jornalista formada pela Cásper Líbero e bacharel em letras (português e francês) pela USP (Universidade de São Paulo), onde também cursou a Faculdade de Educação e obteve licenciatura plena em língua portuguesa. No Agora, é coordenadora da Primeira Página.

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