Abrantes | Associação de Beneficiários de Alvega "preocupada" com infraestruturas degradadas | Médio Tejo

2022-07-23 01:54:02 By : Ms. Natalie Huang

Uma região, um jornal

O aproveitamento hidroagrícola de Alvega acabou por não receber o investimento previsto em 2016 na ordem de 7 milhões de euros. O objetivo passava pela reabilitação e modernização das infraestruturas existentes, as mesmas que atualmente estão “bastante degradadas”. As duas candidaturas apresentadas pela Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural foram recusadas, isto numa União Europeia que prima por uma legislação que protege os recursos vitais de água doce através de uma gestão adequada.

Certo é que os fundos comunitários teimam em tardar na Associação de Beneficiários de Alvega, sem capacidade financeira para implementar um sistema mais eficiente de distribuição de água. O mediotejo.net falou com Rui Pires da Rosa para perceber a importância desta associação, do objetivo de afirmar o valor da produção regional no sector agrícola, e a razão do descontentamento dos associados.

Passados quase 80 anos desde a sua existência, o aproveitamento hidroagrícola de Alvega continua sob a gestão da Associação de Beneficiários de Alvega (ABA), embora todas as infraestruturas sejam propriedade do Estado. Na sua missão persiste a pretensão de afirmar o valor da produção regional no sector agrícola, contudo, as infraestruturas necessitam de uma profunda reabilitação.

De acordo com o Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, que previa um conjunto de investimentos em regadios na ordem dos 445 milhões de euros, para a reabilitação do aproveitamento hidroagrícola de Alvega estava previsto um investimento de 3,7 milhões de euros, valor que se repartia pelos estudos e projetos a realizar, fiscalização e outros, sendo que para a obra, propriamente dita, estavam destinados 3,2 milhões de euros. Mas as candidaturas da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) foram recusadas. Agora, para a implementação de um sistema mais eficiente de distribuição de água, resta tentar de novo no próximo quadro comunitário que inicia em 2021 até 2027, embora seja conhecido como Portugal 2030.

“Esperamos que no próximo quadro comunitário sejamos contemplados”, afirma ao mediotejo.net o presidente da Associação, Rui Pires da Rosa. Porque “entendemos que a forma como se utiliza a água deve mudar e dar facilidade aos regantes para poderem instalar sistemas de rega mais eficientes, mais económicos e mais práticos”.

Rui Pires da Rosa espera também que a intervenção, após a aprovação de uma nova candidatura a fundos europeus, introduza alterações profundas. “Neste momento temos um perímetro de rega desatualizado” relativamente ao século XXI. Desde logo “não permite, sem um investimento acrescido, quer com equipamentos quer com energia, que se instalem sistemas de rega eficientes, ou seja, por aspersão ou por gota a gota”.

Neste sentido, o presidente, nas suas reuniões com a DGADR, diz sensibilizar a entidade para  “a modernização deste perímetro de rega, na perspetiva de criar condições” aos regantes, para num futuro que se quer próximo poderem “ligar um tubo e terem água por pressão e filtrada” em todas as parcelas. Uma intervenção que apesar de avultada reduz o investimento, defende.

Alterações climáticas com caudal do Tejo nos mínimos

Além da incapacidade financeira a Associação enfrenta outro problema: as alterações climáticas. “Preocupa-nos! A escassez de água vai existir e temos de nos adaptar. Ter sistemas de rega que utilizem menos água, sejam mais eficientes. Portanto, esta alteração da forma de regar vai ser necessária e inevitável. Se o rio Tejo começar a ter caudais mínimos vai haver racionamento de água”.

Na verdade, os movimentos ambientalistas alertam com frequência para os caudais do rio. O Tejo apresenta com regularidade níveis de caudal abaixo do acordado na Convenção de Albufeira sustentam, e quem lida com o Tejo diariamente, confirma essa realidade.

“Essa situação [de racionamento de água] ainda não se verifica na Associação porque estamos num sítio privilegiado, mas noutros locais ribeirinhos esta problemática já se verifica” garante.

Avançar com a obra de “grande investimento”  – podendo agora resultar do estudo um valor semelhante ao anterior (7 milhões de euros), inferior ou até superior – a ABA “não consegue! Não é com orçamentos de 70 mil euros por ano que fazemos investimentos de milhões!”. Portanto, para investimentos dessa ordem de grandeza a ABA depende da DGADR.

Além disso, “faz parte do contrato: é a entidade que tem de validar e aprovar essas obras”, explica, garantindo que a DGADR está “sensível” à situação de Alvega. “Quanto mais eficientes conseguirmos ser na distribuição de água, teremos pessoas com menos dificuldades em utilizá-la”, sunlinha.

Recorda-se que a ministra da agricultura, Maria do Céu Antunes, afirma apostar no regadio, assumindo numa entrevista à TSF que até 2023, “há um plano nacional de regadio em curso de 560 milhões, onde há uma bolsa ainda de 127 milhões por atribuir, como reserva para darmos continuidade a este projeto e que não esgota toda a intervenção que está a ser feita”. Contudo, Rui Pires da Rosa é cauteloso: “o ‘bolo’ pode ser pequeno para as necessidades” do País.

Acredita, no entanto, que as infraestruturas mais degradadas terão prioridade. E as de Alvega “estão a ficar bastante degradadas. Problemas que nos próximos anos vão ser graves. Temos uma conduta principal, no início do canal, em avançado estado de degradação e quando se degradar totalmente, ficamos sem água”, explica, atribuindo-lhe pouco mais de um par de anos como tempo de vida útil. “Também o canal principal, que tem 80 anos, foi revestido uma vez com tela que entretanto saltou em 50% do seu percurso e que tem bastantes perdas de água. Verifica-se já desperdício de água!”, afirma.

Acresce às dificuldades a estação de bombagem. “É necessário, todos os anos, retirar os motores do local, porque não são submersíveis. Basta haver uma subida de água ou uma pequena cheia”, dá conta.

Um projeto denominado por Campos de Alvega

Denominada de Associação de Regantes e Beneficiários de Alvega até 1995, a ABA tem sede na freguesia de Alvega, no concelho de Abrantes, e foi constituída a 17 de setembro de 1941. Mas o aproveitamento hidroagrícola conta com mais de 80 anos. “O projeto foi realizado entre 1935 e 1939. Tendo começado pelo projeto em 1935 e no ano seguinte arrancaram as obras. Um projeto denominado por Campos de Alvega, elaborado pela Junta Autónoma das Obras Hidráulica-Agrícola e aprovado e homologado pelo Conselho Superior das Obras Hidráulica-Agrícola a 12 de fevereiro de 1936”, detalha o engenheiro.

Em 1939 iniciou-se a rega, com a exploração e a conservação a ficar a cargo da Junta Autónoma das Obras Hidráulica-Agrícola – responsável pela construção das infraestruturas – até 1949. Embora a Associação tenha sido constituída 8 anos antes, só assumiu a exploração e conservação em 1949.

“Ainda hoje as infraestruturas pertencem à DGADR. A Associação tem um contrato de concessão de exploração das infraestruturas. O principal objetivo da Associação é a gestão do perímetro de rega que engloba a captação da água no rio Tejo e colocá-la à disposição dos regantes. Pretende ir ao encontro das necessidades dos regantes. Depois tem o compromisso de fazer a manutenção e conservação de todo o aproveitamento hidroagrícola, a cobrança das taxas de conservação e de exploração. E sensibilizar as pessoas”, explica Pires da Rosa.

Isto da “sensibilização” prende-se com a passagem de uma mensagem: A Associação apela a que “as pessoas mudem a forma de regar”, diz, admitindo que o descontentamento existe entre os associados, tal como se verificou este verão.

O campo, com 333 hectares de área beneficiada, “até há 20 anos diria que 80% da área seria regada. E na altura o sistema era diferente: com caleiras, tínhamos três cantoneiros que andavam por aí a fiscalizar e a abrir a água a cada uma das pessoas. Depois fez-se uma melhoria em todo o perímetro de rega, substituindo essas caleiras por tubos. Nessa altura colocou-se a água em cada uma das parcelas e até bocas de rega em mais que um local da mesma parcela” uma vez que abundam terrenos retangulares, alguns deles “muito compridos” de forma “a reduzir as perdas de água”, explica.

Se esta intervenção, por um lado, “criou um benefício para as pessoas” podendo ser as próprias a abrir a água para regar quando entenderem e não terem dias e horas marcadas para regar as suas propriedades, por outro “criou um problema de gestão, desta distribuição de água”, admite o presidente. Isto por causa da inexistência de “torneiras de segurança que permitam fechar a água num determinado percurso”.

Ora, como “a água vai por gravidade, as pessoas que estão no fundo do tubo têm sempre água e as pessoas que estão no cimo têm água se os regantes de baixo tiverem as torneiras fechadas” o que no período da manhã, durante o verão, raramente acontece. As pessoas tiram a água umas à outras “e isso leva a um descontentamento”, reconhece.

Sendo certo que no verão, devido às altas temperaturas, “ninguém quer regar à tarde! Até à hora de almoço temos grande consumo de água e a partir daí estamos mais folgados. Normalmente até paramos motores porque não há necessidade de tirar tanta água. As pessoas não vão” regar.

Rui Pires da Rosa fala na “falta de algum querer” por parte dos associados. Os regantes “conhecem-se todos uns aos outros e sabem quem rega naquela conduta”, afirma, defendendo o diálogo para “o desaparecimento de alguns destes problemas que criam mau estar”.

Manifestando-se “disponível” para estabelecer “conversas” entre os associados desavindos, reconhece haver outra solução para além da “diplomacia”.

“Se contratássemos duas ou três pessoas para controlar quem anda a regar provavelmente as coisas corriam melhor. Mas vai refletir-se no custo da água!”, observou. Pires da Rosa diz que a Associação “tem feito uma gestão tendo em conta os custos” pagos pelos associados. “Para gastar é fácil, já poupar é difícil. Temos procurado que os gastos sejam os menores possíveis”.

O presidente lembra que a Associação vive “sem qualquer apoio, só das taxas dos sócios e tem um grande impacto na freguesia. Temos um grande cuidado com os custos. Procuramos encontrar um equilíbrio”, nota.

O minifúndio de 400 associados para 600 prédios

A Associação de Beneficiários de Alvega conta atualmente cerca de 400 associados, para um perímetro de rega de minifúndio, ou seja, para cerca de 600 prédios em que 50% têm uma área inferior a dois mil metros quadrados. “São parcelas muito pequeninas. Tirando a Aritium, que faz agricultura industrial – do falecido Francisco Romãozinho – todos os outros praticam uma agricultura de carácter familiar”.

A freguesia de Alvega encontra-se integrada na Reserva Agrícola Nacional (REN), “que é muito mais que o perímetro de rega. É uma condicionante que temos no nosso País. Os solos foram classificados com características para serem explorados em termos agrícolas e o perímetro de rega está dentro da RAN” refere.

Contudo, também no passado, apesar de Alvega ser uma terra de lavradores e agrários, praticava-se uma agricultura de subsistência. “Devido à divisão da propriedade. O número de associados têm-se mantido sem grandes oscilações”.

Independentemente do consumo da água, os associados pagam sempre, anualmente, a taxa de conservação, na ordem dos 191,50 euros (em 2020). “A taxa de exploração paga quem rega” e em função da dimensão do terreno. Neste caso, o valor da taxa é variável e pode ir do zero até 118 euros (igualmente em 2020).

E se o número de beneficiários não sofreu ao longo de 80 anos grandes alterações já a área beneficiada diminuiu. No início, devido “a um engano no projeto, foi considerado o leito velho do rio Tejo. Há documentos que provam que o perímetro de rega começou com mais de 350 hectares e depois foram excluídos mais de 20 hectares” relativos ao leito antigo do Tejo. Daí para cá “foram excluídas parcelas muito pequeninas que totalizam cerca de um hectare. Pequenas áreas dentro de Alvega de pessoas que pediram a exclusão do perímetro de rega, e como é perímetro urbano foi concedida” pela DGADR, conta.

Em jeito de balanço, nestes 79 anos de associação, Rui Pires da Rosa classifica-a de “muito importante. Sem este investimento provavelmente estes 333 hectares não tinham sido explorados como foram. Criou um beneficio para todas as pessoas que tem prédios em Alvega. Disponibilizou-lhes água de uma forma fácil”, caso contrário, para conseguirem regar, os proprietários destas terras, teriam de socorrer-se de poços ou furos, diz.

Em tal cenário de investimento próprio opina que “nem todos” optariam por equipamentos de rega. “Iríamos ter áreas significativas de sequeiro. A Associação teve um grande impacto no desenvolvimento da freguesia e da região”. O engenheiro nota que a produção agrícola própria tem impacto nas famílias e “hoje ainda tem mais do que tinha há dois anos”.

Acredita que facilitando a forma de rega, nomeadamente com aspersores e programadores digitais, “haverá maior adesão” nomeadamente ao cultivo dos terrenos, com outro tipo de culturas. Além disso, a modernização do perímetro de rega “vai traduzir-se em menos custos” desde logo de energia e de manutenção, insiste.

Faltam pessoas para cultivar as terras

Outra dificuldade que a Associação enfrenta atualmente “é estrutural” e passa pela “falta de pessoas” porque “infelizmente a nossa legislação é muito apertada em termos de construção dentro dos perímetros de rega” que vai além da realidade da RAN. Acrescenta à lista de problemas o PDM que “agrava mais a situação. Na freguesia de Alvega temos infraestruturas de eletricidade, de água, junto às vias de comunicação, zonas onde se poderia fazer mais alguma construção e ajudaria a fixar as pessoas. Se estiverem próximas das suas parcelas, cultivam, mas se estiverem a morar em Abrantes preferem ir ao supermercado”, lamenta.

Para Rui Pires da Rosa “faz todo o sentido” continuar a Associação “a explorar” o perímetro de rega. Na altura da sua constituição “o Estado não quis ficar responsável pela exploração e conservação e entregou essa responsabilidade aos agricultores que por sua vez fundaram uma associação para fazer a gestão” das infraestruturas.

Segundo o engenheiro, é no terreno que se sentem as reais dificuldades e se preparam soluções de adaptação “o melhor possível” às mesmas, conclui.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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